Em processo de cassação, MS Táxi-Aéreo segue operando com outro nome

A CNN Brasil publicou hoje extensa reportagem revelando uma manobra da Mato Grosso do Sul Táxi Aéreo Ltda., também conhecida como MS Táxi Aéreo, baseada em Campo Grande. Conforme reportagem/documentário assinada pelos jornalistas José Brito e Luiz Fernando Toledo, da CNN São Paulo, a MS Táxi Aéreo diz em seu site que “possui política de segurança de voo e prevenção de acidentes aeronáuticos e todos os programas e manuais exigidos pela autoridade aeronáutica”.

Mas uma série de documentos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), do Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e depoimentos policiais analisados pela CNN evidenciam diversas irregularidades cometidas pela empresa e em aeronaves de seus sócios nos últimos anos, segundo as autoridades.

Por causa das evidências encontradas pelos fiscais, a MS teve a sua cassação determinada em primeira instância administrativa pela Anac ao longo da apuração desta reportagem. Ainda cabe um recurso. Nesta fase do processo, a empresa ainda não está impedida de oferecer voo. Se confirmada, será a primeira cassação no país por Transporte Aéreo Clandestino (Taca, como são conhecidos os voos piratas). Embora haja episódios registrados de infração por Taca há muitos anos, a Anac só passou a ter poderes punitivos — como o de cassar o registro de uma empresa — em 2018.

Usando novo nome

Com o processo de cassação, o grupo seguiu operando no mercado, mas utilizando outro nome — Aeroeste, mantendo inclusive o mesmo CNPJ. A empresa chegou a fazer orçamento de um voo para um dos produtores da CNN. Segundo a Anac, esta alteração de razão social não poderia ter acontecido, pois não foi aprovada oficialmente pela agência.

Depois de a agência ter sido comunicada pela CNN, a empresa foi autuada por usar o nome diferente sem aprovação. Também foi encaminhada denúncia ao Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com a reportagem, compreender todo o processo que levou à decisão de cassação da MS, é preciso voltar ao acidente com aeronave desta empresa que ficou muito conhecido pelo público: o dos apresentadores Luciano Huck e Angélica, em 2015.

A aeronave transportava, além dos apresentadores, os filhos do casal, duas babás, piloto e copiloto. Todos tiveram apenas ferimentos leves. O relatório final do acidente, produzido pelo Cenipa, apurou que o motivo foi pane seca (falta de combustível).

Informações deste documento ajudaram as autoridades a entender como a MS Táxi Aéreo operava. Uma das conclusões do estudo do órgão aeronáutico é que, na época do acidente, “o operador da aeronave permitia uma cultura onde se dava grande autonomia aos comandantes e eram aceitas operações fora dos padrões estabelecidos em requisitos de segurança, como o não cumprimento de todos os itens de checklist”.

Os responsáveis pelo relatório colheram depoimentos que apontavam que os pilotos eram orientados a não anotar irregularidades no diário de bordo, com a finalidade de “evitar a indisponibilidade das aeronaves”. E quando um piloto se negava a fazer um voo por causa das condições irregulares, logo era substituído por outro sem vínculo empregatício, em caráter temporário, segundo as investigações.

“Tal fato pode ter contribuído para a manutenção de uma atitude pouco crítica dos pilotos acerca dos riscos envolvidos nas práticas adotadas pelo operador, favorecendo a prevalência das demandas de produtividade sobre a segurança”, aponta o relatório.Essas evidências coletadas pelo Cenipa foram encaminhadas à Anac, que fez uma auditoria na empresa e decidiu suspender a MS Táxi Aéreo pela primeira vez, em março de 2016. A partir dessa decisão, a empresa não poderia ter operado nenhum voo com suas aeronaves. Mas não foi o que aconteceu, segundo as autoridades.

No dia 27 de abril de 2016, um mês depois da suspensão, a MS foi flagrada utilizando a aeronave de prefixo PT-RVJ para atender a um voo solicitado pela Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul. O auto de infração da Anac reforçou o fato de que a empresa estava em período de suspensão, que vigorou até 29 de janeiro de 2018.

Foi analisando essa infração que a agência federal entendeu que a empresa deveria ser cassada. Assinalou como justificativa que “uma vez que a suspensão pretérita de nada serviu para trazer a empresa para a conformidade, é certo que tampouco o faria a mera imposição de multa”. Destacou ainda “absoluta desconsideração à ordem jurídica, conduta que se mostra incompatível com o exercício de serviço público de competência da União”. Recurso da MS Táxi Aéreo contra cassação

A empresa nega irregularidades. Em nota, afirmou à CNN que o episódio “já foi esclarecido em procedimento administrativo instaurado pela ANAC, com apresentação de documentação comprobatória. Atualmente, aguarda-se decisão conclusiva da ANAC. Houve apenas má compreensão, pelo fato de terem sido expedidas duas notas fiscais no período da suspensão, porém, referente a serviço de táxi-aéreo prestado preteritamente, antes da suspensão do registo”, disse a empresa.

Aeronave de sócia

Ainda em 2016, após a suspensão da MS pela Anac, uma aeronave em nome de uma sócia-administradora da empresa, Neusa Maria Carvalho Barbosa, sofreu um acidente, que resultou na morte do piloto Marcos Davi Xavier, de 38 anos.

No dia 19 de setembro de 2016, o veículo de prefixo PT-VKY, sem autorização para táxi-aéreo, fez um voo pago de Campo Grande até a Fazenda Cristo Redentor, entre os municípios de Miranda e Corumbá, no mesmo estado. A aeronave caiu na volta desse trajeto, em uma região de difícil acesso no Pantanal.

Segundo a noiva de Xavier na época, Beatriz Gusso, ele sabia que a aeronave não podia operar voos fretados. “Nós estávamos com o casamento marcado, tínhamos comprado apartamento juntos, estávamos mobiliando e aquela coisa toda de pagar conta e se planejar para o casamento”, disse, ao justificar que o noivo ganhava com cálculo sobre as comissões de voo.

À CNN, a MS responsabilizou Marcos pelo voo irregular. A empresa disse que recebeu uma proposta de orçamento para fazer tal viagem, mas recusou. O piloto, disse a empresa, entrou em contato com os clientes por conta própria e teria feito o voo “sem participação da MS ou da proprietária da aeronave”.

Essa versão é rebatida por uma funcionária da própria MS. Em depoimento à polícia, ela afirmou que, embora a aeronave envolvida no acidente estivesse em nome da sócia Neusa, e não da empresa, a contratação foi feita com a MS Táxi Aéreo. Disse ainda que, na época, essa era a única aeronave utilizada pela empresa. O depoimento foi anexado a uma ação judicial que tramitou no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 24ª Região, movida por Beatriz, que resultou na condenação da empresa a pagar indenização de quase R$ 400 mil por indenização de dano material e moral. Ainda cabe recurso.

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