Trabalhadores paraguaios são resgatados em condições análogas à escravidão em fazenda de MS 

Operação conjunta do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) com a Fiscalização do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, do governo federal, e a Polícia Militar Ambiental (PMA), resgatou, na última quarta-feira (16), sete trabalhadores paraguaios submetidos a condições análogas à de escravo em uma fazenda localizada no município de Bela Vista, que faz fronteira com o Paraguai.

Os flagrantes de trabalho escravo são frequentes nesta região do estado, que abarca municípios marcados por desigualdades de desenvolvimento humano, renda, e pela baixa oferta de postos de trabalho. Das 12 operações de resgate realizadas em Mato Grosso do Sul nos anos de 2020 e 2021, metade delas ocorreu em propriedades rurais da localidade, nas cidades de Porto Murtinho, Antônio João, Ponta Porã e Itaquiraí, conforme levantamento da Fiscalização do Trabalho.

O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas do MPT também destaca outro município, Iguatemi, onde 624 pessoas foram resgatadas em condições degradantes de trabalho, entre 1995 e 2020.

Nesta última operação, do dia 16, os trabalhadores estavam expostos a diversas irregularidades há pelo menos oito meses, desde julho do ano passado, e o resgate foi possível mediante denúncia apresentada ao MPT-MS. O grupo, natural da cidade paraguaia Bella Vista do Norte, pernoitava em um barraco de lona, sem água potável, alimentação, energia elétrica, banheiros ou chuveiros.

De segunda-feira a sábado, durante o dia, exerciam a função de cerqueiro, erguendo postes e cercas, para a qual foi ajustado o pagamento de parcos R$ 80 por dia de trabalho. Aos domingos, segundo as declarações coletadas pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes, os trabalhadores retornavam à cidade, enquanto o gerente da fazenda fiscalizava o andamento do serviço.

Ainda de acordo com os depoimentos, eles foram recrutados em Bella Vista Norte por intermédio de um brasileiro, contratado, por sua vez, pelo gerente da fazenda. Este intermediador recebia da fazenda uma remuneração fixa, mais um adicional de produtividade por poste e por esticador concluído. Ele também era o responsável por efetuar o pagamento das diárias aos trabalhadores paraguaios, sempre em espécie, e sem qualquer emissão de recibo.

Condições degradantes

Segundo depoimento de um dos trabalhadores resgatados, quando chegaram à fazenda, no ano passado, já havia ali um barraco de lona designado para que o grupo pudesse pernoitar. As necessidades fisiológicas, contou ele, eram realizadas no mato, e para o banho, gelado, era utilizado um balde improvisado.

A água disponibilizada vinha de um poço artesiano da fazenda. Os alimentos eram salgados e preparados ali mesmo, no barraco, em fogareiros artesanais.

Este mesmo trabalhador operava uma motosserra, sem ter recebido treinamento para exercer a função, e sem o fornecimento do Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado. Os cerqueiros também não passaram por qualquer tipo de exame admissional, a fim de assegurar que possuíam as condições físicas e psicológicas para assumir o trabalho.

Para completar, no último dia 12 de março, o gerente da fazenda solicitou ao intermediador da mão de obra a dispensa de dois dos cerqueiros, sob a justificativa de necessidade de redução da equipe. Eles receberam as diárias trabalhadas, mas não as verbas rescisórias a que teriam direito, como férias proporcionais, 13º salário ou FGTS.

Reparação aos trabalhadores

Em audiência administrativa realizada na última quinta-feira (17), e conduzida pelo procurador Paulo Douglas de Moraes, com a participação da Auditoria-fiscal do Trabalho, representantes da propriedade rural foram instruídos quanto às obrigações legais para contratação de mão de obra e etapas de regularização do pagamento das verbas rescisórias devidas aos trabalhadores paraguaios.

Ficou estabelecido que o montante deverá ser pago até o dia 25 de março de 2022, conforme planilha da Fiscalização do Trabalho, mediante transferência, no caso dos trabalhadores que forneceram as contas bancárias, e pagamento em espécie para os trabalhadores impossibilitados de manter vínculo com instituição financeira, já que não dispõem de documento migratório. Neste último caso, o pagamento deverá ser realizado na presença de auditores-fiscais do trabalho.

O empregador terá, ainda, prazo de 30 dias, a contar da data da audiência, para que seja formalizado o vínculo de emprego dos sete trabalhadores, com data de admissão retroativa ao início da execução das atividades, e a realização dos atestados demissionais, mantido o vínculo caso o exame aponte inaptidão para o trabalho.

O mesmo prazo foi aplicado pelo MPT para que seja providenciado alojamento adequado àqueles que desejarem prosseguir trabalhando na propriedade, observando a norma regulamentadora que estabelece as normativas relacionadas à saúde e segurança em atividades agropecuárias, a NR-31.

Para o trabalho ser caracterizado como análogo ao de escravo, basta se constatar a prática de um destes elementos: submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes ou a servidão por dívida.

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